Ensaio… O que faz um tradutor?

Um tradutor se deixa embeber, empapar, ensopar, encharcar nas palavras e no que elas exalam, pois esta é a única forma que encontra de vencer a resistência do sentido. Um tradutor, quando pode, se lambuza. As palavras têm cheiro, gosto, silhueta, força, densidade e textura. Algumas são moles e suaves, outras duras e ásperas. Algumas empacham, outras passam batido. Algumas têm beleza, outras feiura. Algumas são translúcidas, outras turvas e opacas, umas são mais sonoras, independentes e impositivas, parecem ter mais relevância, como se tivessem conquistado a manumissão, outras são mudas, tristes e compactas, não dizem nada ou escondem tudo, parecem que ainda não nasceram ou que murcharam antes da hora, se agarram desesperadamente em outras, talvez para se salvar da insignificância que as maltrata. Algumas são cheias de si, outras demasiadamente vazias. As francesas têm melodia, as hispânicas ardência. Algumas são soltas – voláteis – outras se debatem em recantos minúsculos e apertados. Parecem que choram. O bom tradutor espera. Ele conhece cada palavra como se ele mesmo a tivesse inventado. Por isso espera. Sem pressão, elas permitem às vezes que as toquemos. Palavras não podem ser pressionadas, nem espantadas. São como moscas. Com elas, o tradutor ensaia formas, formas fundas, formas rasas, as formas são elásticas, formas que pensam, formas que falam, formam que respiram, formas que caminham e vivem, se formam e se deformam. Formas que – num instante que não se repete – fazem renascer a língua de todos. O tradutor é um mago. Liberta as palavras.

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